Ficar calada me cansa, me cansa muito, mas quando penso em falar, sei que nada adianta, ou vou ser chamada de louca, ou de puta, ou de mentirosa, muito provavelmente de tudo isso junto. Mas me entristece demais pensar que isso me afeta todos os dias da minha vida a anos e não poder fazer nada, o ódio que eu sinto ao lembrar de todas as vezes que tentei, e sim! eu tentei, tentei muitas e muitas vezes falar, contar, gritar aos quatro ventos, não só por mim mas por qualquer uma que já passou pelo mesmo; não adiantou. Usaram isso contra mim, para me manipular e novamente, acabar comigo. Não me escutaram, pessoas que eu confiava minha vida a anos, que achava que realmente poderiam me escutar, viraram as costas e ficaram juntos ao abusador.
Doeu como um soco no estômago daqueles que te fazem vomitar tudo que comeu durante o dia. Desde então tento não desconfiar de qualquer um, mas dói. Dói entender que minha dor, a dor de todas é minimizada por coisas esdrúxulas, dinheiro? contatos? "amizades"? Doeu profundamente cortar laços com pessoa que eu nutria um amor a anos, doeu como o inferno, mas doeu mais ainda perceber que a minha dor não lhes causava diferenças ou empatia. Não foi fácil mas foi o certo, não fazia sentido continuar próxima de alguém que banaliza, duvida, mente e ridiculariza uma dor tão profunda. É tão difícil ter sua confiança dilacerada por alguém que você ama. Não foi comigo, mas me atingiu de uma forma tão mas tão certeira. Depois de tudo que já me aconteceu, eu não poderia simplesmente deixar isso quieto, como todos estavam fazendo. Tomar partido nas coisas reflete muito sobre quem você é. Fiquei surpresa com as coisas tão estupidamente clichês e machistas que ouvi de homens que confiava, que em outros tempos eu amava e planejava um futuro. Me chocou mas talvez não deveria, quantas vezes eu já não li historias onde a vítima era culpada por coisas que claramente a mesma não tinha como controlar, mas não esperava que viesse de pessoas tão próximas, tão queridas. O soco doeu, mas a realidade também bateu a porta; todo homem está sujeito a isso. É dificil entender isso, dói, mas é. A estrutura se faz dessa forma, e quando você vê, já inventaram 50 novas formas de culpabilizar a vítima enquanto o agressor é mantido como alguém que "nunca faria isso". Aconteceu outra vez, no mesmo lugar, com outra pessoa; a desculpa foi a mesma. Sinto ódio ao pensar sobre isso, além de abusadas, silenciadas, enquanto eles estão vivendo suas vidas normalmente. Isso me deixa com o mais profundo e absoluto ódio.
É complicado pensar que alguém que diz que te ama possa te fazer um mal tão grande, talvez por isso que eu demorei dois anos para entender que aquilo aconteceu. De verdade. Talvez demore mais dois anos para contar para alguém o que aconteceu porque apesar de três anos ser um tempo longo, tudo ainda é vivido nas piores das lembranças da minha mente. Talvez tenha sido algum tipo de proteção da minha própria mente para não pirar ter omitido algumas lembranças sobre isso, mas agora, isso me assombra todos os dias e não tenho o que fazer, e isso me deixa com ódio, o mais profundo ódio que eu sinceramente nunca achei que pudesse sentir, mas me sinto tomada pelo ódio, ódio por isso me afetar TANTO, ódio por não poder fazer nada sobre isso, ódio porque enquanto minha cabeça desmorona, a dele continua intacta e vive como inocente. Tudo isso me causa um ódio profundo, devastador. Me faz pensar em todas as micros agressões que já me aconteceram, desde ser chamada de "vagabunda" por um cara qualquer que fiquei anos atrás, até ser manipulada tão profundamente que cheguei a achar que eu nunca seria digna do amor de ninguém, afinal, se um cara tão legal com todos e fofo, desconstruído e tal me tratava igual um lixo, a culpa só podia ser minha.
De repente vejo caras legais em bares naquele famoso bairro boêmio desta cidade, onde todos se dizem homens desconstruídos, homens bons, acabarem com a vida de tantas mas tantas mulheres. Como me irrita, me irrita PROFUNDAMENTE ir beber uma cerveja depois da aula e ver tantos homens asquerosos pagando de "pró-feminismo" enquanto bebem suas cervejas e enganam e maltratam mais mulheres, psicologicamente, fisicamente. E não são poucos, não são. Sente-se numa mesa de qualquer um desses bares, chame qualquer mulher, que eu te dou certeza, que pelo menos uma historia dessa ela tem para contar.
Uma vez ouvi em algum lugar que homens sempre vão defender homens, não importam do que. Hoje em dia eu sei disso, por isso eu defendo as minhas. Defendo abertamente para quem quiser e quem não quiser ouvir. Eu cansei de ficar calada, cansei de viver com essas dores dentro de mim, cansei de me sentir mal por falar a verdade, sobre tudo que aconteceu ou comigo ou com alguém que eu amo, ou qualquer outra mulher. Cansei de chorar ouvindo relatos de abuso, cansei de me sentir fraca em relação a tudo isso, são quase 5h da manhã, não consigo dormir, eu tô cansada, mas eu não tô com medo,
eu tô com ódio.
(Ilustração perfeita, a Lilly representa muito o que venho sentindo nos últimos tempos)
